-( Folha de S. Paulo)
Uma história hipotética: a moça grávida chega à delegacia, diz que foi agredida e mantida em cárcere privado pelo namorado. Conta que foi obrigada a tomar um abortivo e ameaçada de morte caso procurasse a polícia. Chora, mostra as marcas de agressão e pede ajuda.A delegada manda a vítima para o IML. Quer exames de corpo de delito e de urina, para saber se houve mesmo agressão e tentativa de aborto. Invoca a Lei Maria da Penha, criada para proteger mulheres vítimas de violência, para que a moça receba proteção.
Aqui começa mais um capítulo da novela dos inquéritos brasileiros. Oito meses e meio depois, o acusado não foi ouvido, a delegada foi transferida e o exame de urina não está pronto -o IML defende-se sob o argumento de que ninguém pediu urgência nos resultados.
A papelada vai e volta entre delegacia e Ministério Público -está incompleto, diz o MP; está pronto, garante a polícia. As perspectivas de que o caso chegue algum dia à Justiça se desvanecem.
Em seu recém-lançado livro "O Inquérito Policial no Brasil: uma pesquisa empírica" (ed. Booklink), o sociólogo Michel Misse explicita, em números, as dificuldades para que o registro feito em uma delegacia chegue aos tribunais.
Analisando os casos de homicídios dolosos em cinco capitais, concluiu que apenas 16% se transformam em processos judiciais. No Rio, menos ainda: só 11%. Estamos falando de homicídio, o mais grave dos crimes, aquele que pune seus autores com as maiores penas.
Quais as perspectivas da personagem de nossa história hipotética ver aquele a quem acusa de agressão ser punido? Pouquíssimas. E quais as probabilidades do incriminado ter chance de provar na Justiça que as acusações, quem sabe, são falsas? Mínimas.
A novela dos inquéritos policiais está muito longe de um final feliz
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