quarta-feira, 7 de julho de 2010

“DEIXA, POIS NÃO É COMIGO”

Foi-me repasso um e-mail, se a identificação do autor do texto, em que um Oficial, suponho, torna publico o seu desagravo pela prisão do Cel Filardo. Procurei identificar o autor do texto para solicitar sua permissão para divulgação. Como não consegui, publico-o com saudades do tempo em que agias muito mais pelo impulso da emoção do que o uso da razão. Noto que foi um trabalho muito bem elaborado. O autor teve o cuidado de fazer seu desagravo usando todos os argumentos que a lei lhe oportunizou e cumprimonto-o pela sua atitude de defensor intransigente da nossa instituição Polícia Militar.
Como em seu trabalho há referencias ao COPMPR, a AVM e a AMAI entendo que é um direito demonstrar seu descontentamento, mas ser associado não é apenas pagar a mensalidade. Ser associado é participar da sua entidade. Tenho certeza absoluta que em qualquer dessas entidade citadas o presidente e demais membros da diretoria terão imensa satisfação e recebê-lo para ouvir suas sugestões, suas críticas e, inclusive, para contar com sua valiosa contribuição, pois pelo trabalho é possivel identificar que se trata de um Oficial extremamente competente e com um grande potencial para nos mostar caminhos que muitas vezes não foram visualisados. Espero que o companheiro seja sócios das entidade apontadas. Meus parabens pelo seu trabalho.


“DEIXA, POIS NÃO É COMIGO”

Nota de desagravo frente à prisão arbitrária, ilegal e desnecessária do Coronel da PMPR Sérgio Filardo.
O tempo passa, mudam os fatos, mas a história se repete, pela omissão confortavelmente covarde dos que podem ou devem - fazer e nada fazem.
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht (1898 - 1956)





Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar.
Martin Niemôller, pastor luterano alemão,1933

(símbolo da resistência ao Nazismo)



Primeiro eles roubaram os sinais, mas não fui eu a vítima;
depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
depois fecharam ruas, onde não moro;
fecharam então o portão da favela, que não habito;
em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho...
Cláudio Humberto, 2007

Parafraseando o presidente americano Franklin Delano Roosevelt que, profundamente agastado e indignado com o ataque traiçoeiro japonês à frota naval americana, classificou o inesperado ataque nipônico como um ato de infâmia, podemos dizer que o dia 30 de junho de 2010 também foi um dia - mais um entre tantos - de infâmia para a PMPR, especialmente para a sua oficialidade.

Durante a denominada Operação São Francisco, conduzida pela Polícia Federal, Superintendência do Paraná, que foi deflagrada para a repressão de crimes ambientais, especialmente circundantes ao tráfico internacional de espécies das faunas nativa e exótica, incluindo receptação, formação de quadrilha, tráfico de influência, entre outros, ocorreu à prisão temporária, mediante mandado expedido pela Vara Federal Ambiental da Capital, sob jurisdição da Juíza Pepita Durski Tramontini, do Cel QOPM SÉRGIO FILARDO, Comandante do Policiamento do Interior, dentre outra s pessoas.

Ocorre que a própria PF investigou o caso por oito meses e, simplesmente, pelo fato do Cel Filardo ter falado ao telefone com um dos principais, segundo a PF, traficantes de pássaros do país, solicitaram sua prisão temporária, pois ele teria cometido o crime de tráfico de influência. Porém, “in tese”, este delito, se tivesse ocorrido, teria sido praticado durante o serviço e, assim sendo, seria crime de alçada militar, sujeito a investigação da autoridade judiciária militar, Comando Geral da PMPR - e sob jurisdição da justiça militar.

O Código de Processo Penal prevê que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal a prisão preventiva poderá ser decretada pelo Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do querelante, ou, ainda, mediante representação da autoridade policial, desde que haja um dos quatro requisitos:

1) garantia da ordem pública;

2) garantia da ordem econômica;

3) por conveniência da instrução criminal;

4) para assegurar a aplicação da lei penal.

Mas, em tempos de mídia fácil e sensacionalismo exacerbado, especialmente observado nas ações levadas a termo pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, esses quatros requisitos para a decretação na prisão preventiva estão sendo relegados à teoria acadêmica e desprezados na aplicação da norma, uma vez que alguns Promotores de Justiça e mesmo Juízes de direito entendem que o clamor da sociedade seria mais um requisito para tal decretação. Então, na busca por visibilidade na imprensa, todo e qualquer motivo vira automaticamente ato sujeito à prisão preventiva ou temporária. Mesmo quando a sociedade ainda não tomou conhecimento dos fatos geradores da ação policial, como é o caso aqui em comento. Quem cria a propaganda e leva o fato ao amplo conhecimento da população é a polícia e/ou o ministério público. Estranhamente, mesmo nas investigações ditas sigilosas, sempre há, quando da prisão que envolva qualquer personalidade com um mínimo de visibilidade, a presença da imprensa escrita, falada e, principalmente, televisionada. Então, invertem-se os valores fáticos e jurídicos, pois o resultado da divulgação da ação transforma-se na justificativa para a decretação da prisão. Numa espécie de clarividência jurídica, quase que paranormal, a decretação da prisão ocorre baseada em projeções de clamor futuro da sociedade. Resumindo-se: prende-se sem o cumprimento dos requisitos legais e cria-se o clamor público que enseja uma pseudo-justificativa para a prisão.

Inaceitável o desprezo ao Código de Processo Penal, que regula os procedimentos da ação penal. O fato de um cidadão ser réu primário, possuir residência fixa, trabalho lícito e se comprometer a apresentar-se no juízo de competente não são suficientes para a concessão de liberdade provisória? Onde estão os direitos democraticamente conquistados? E o do art. 310 do CPP, para que serve? É letra morta?

O artigo 5º da Constituição Federal, inciso LVII, diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, determinando, desta forma, que até o trânsito em julgado da ação penal, presume-se a inocência do acusado. Ao revés, este instituto pétreo tem sido açoitado pelos operadores do direito punitivo estatal, como é o caso da prisão do Cel Filardo, que ocorreu calcada em presunções baseadas única e exclusivamente em interceptações telefônicas, sem qualquer outra prova, em um caso isolado dentro de uma longa carreira ilibada. Não há motivo consistente, fática ou juridicamente para a decretação da prisão, presumindo-se levianamente que poderá futuramente o acusado vir a cometer outro crime ou então, como citado, com base na futura comoção da sociedade, provocada midiaticamente pelo próprio Estado, por intermédio do agente policial investigador.

A liberdade ao cidadão dever ser a regra, e a sua privação a exceção.

A prisão preventiva é importante instrumento legal para satisfação das exigências basilares da vida em sociedade. Contudo, deve ser utilizada com cautela e em face da garantia maior do cidadão, condensada na faculdade de ir e vir. Sua conveniência e aplicação deve ser subsumida à estrita necessidade e imperioso cumprimento dos requisitos legais, avalizadas pela criteriosa e prudente avaliação do juiz, que deve se manter alheio ao circo das dramatizações e encenações dantescas promovidas nos picadeiros dos meios de comunicação, não raras vezes estimulados “quando não incitados e premeditadamente provocados” pelos entes públicos, a exemplo do MP e PF. A prisão preventiva não deve transmutar-se em pena ou condenação prévia. Todo cuidado é pouco na defesa dos direitos do cidadão, que exposto e escrachado, mesmo que depois absolvido, não pode recompor seu caráter e dignidade perante a família, os amigos, comunidade onde vive e a sociedade em geral. Depois da ferida aberta, sua cicatriz jamais desaparecerá.

No caso concreto, que crime cometeu o Cel Filardo? É acusado pelo delito de tráfico de influência. Mas, avaliada a fragilidade dos indícios “meros contatos telefônicos com acusados de delitos ambientais” caberia a decretação de sua prisão temporária pelo juízo federal? Límpido que não! Legal e legítimo seria o encaminhamento de todos os elementos de suspeição levantados contra o Cel Filardo ao Exmo. Sr. Comandante Geral da PMPR, para que o devido IPM fosse instaurado e a apuração ocorresse na esfera competente, sob o crivo da Justiça Militar Estadual. Até porque, se houver qualquer crime ou transgressão praticada por nossos integrantes, somos capazes e dignos para cortarmos em nós mesmos e punir a quem quer que seja, sem nos curvarmos covardemente frente aos que não são nossos tutores.

Transparece que tudo o que os responsáveis pela investigação queriam era o sensacionalismo provocado pela prisão de um Oficial da PM, Coronel e Comandante. Saliente-se que delegado da polícia federal que presidiu o inquérito policial, é o mesmo que, inúmeras vezes, participou de operações de vulto, combatendo crimes graves cometidos contra a natureza, tendo ao seu lado o valoroso Ten Cel Filardo, à época, Comandante do Batalhão Ambiental Força Verde. Mas, o limpo histórico de carreira e o caráter preteritamente ilibado não são suficientes para abonar a conduta de um homem e evitar a humilhação pública, motivada por provas frágeis e inconsistentes, que servem para “comprar” alguns minutos no telejornal e inglórios momentos de fama e imprestável divulgação midiática.

Diante dos argumentos aqui deslindados, acredito que cabe veemente DESAGRAVO frente à desnecessária e arbitrária prisão do Cel Filardo solicitada pelo delegado da PF, analisado pelo MPF e, por não preencher os mínimos requisitos legais, indevidamente decretada pelo Juízo Federal.

Porém, não obstante toda a névoa de dúvida e má aplicação da lei que permeia a operação em tela, resta o mais dolorido e inglório: a indesculpável e covarde conivência de todos nós, irmãos de farda. A leniência com que nossos líderes, que tem o dever moral, decorrente da lei ou de nossas procurações pessoais, para com todas as instituições que achincalham a nossa querida corporação, sem qualquer tipo de reação. Alto Comando, Clube dos Oficiais, associações de classe? Quem se manifestou, saindo em defesa do Cel Filardo? Ninguém! Uma perturbadora ataraxia paira nos ambientes de nossos quartéis e nos salões de nossos clubes e associações. “Deixa, pois não é comigo.”

O Comando da PM, infelizmente, como é costume nestas ocasiões, limitou-se a emitir, via PM/5, uma breve nota ao público interno, confirmando a prisão e informando que responderá pelo CPI o Exmo Sr. Chefe do EM.

O Clube dos Oficiais, provavelmente nem saiba ainda, pois estão preocupados com algum fechado e discreto almoço ou jantar, onde poucos Oficiais lamentam-se das agruras da classe para si mesmos, sem qualquer eco fora dos muros da entidade. Deixa, pois não é com ninguém que vá participar de nosso convescote. E, se for, quando ele deixar a prisão quem sabe comparece para nos contar os motivos.

Quanto a AVM, para que se manifestar? Temos muitos associados e nossas colônias, clubes e hotéis para administrar. Temos que proporcionar lazer ao nosso público. Pão e Circo, já diria o antigo imperador. Deixa, pois não é conosco

A AMAI? Bem. Há algum dividendo político a ser alcançado por alguns de nossos democraticamente eleitos líderes? Não. Então deixa, pois não é comigo.

Incrível a nossa habilidade em confortavelmente nos acovardamos, calarmos, nos omitirmos. Nossa Polícia Militar do Paraná, como sempre, é a massa de manobra. Ente amorfo, fornecedor de mão-de-obra barata, descartável e risível. Usam-nos e depois escarnecem.

Não são poucos os exemplos: Policiais Militares trabalhando junto ao Ministério Público. Operários de um sistema a parte, sem controle externo. Realizando investigações, prisões, buscas e apreensões. Alguém que pode fazer o trabalho sujo e em quem se pode por a culpa. Porém, nunca se ouviu falar do trabalho dos incautos. As manchetes apregoam o belo trabalho do MP, da PIC, do GAECO, do NURCE. Promotores concedem pomposas entrevistas sob holofotes chamuscantes sem qualquer singela alusão aos bravos ? e muitas vezes tolos - policiais. Policiais estes que, não raramente, esquecem de suas origens, voltando-se contra a corporação que os formou, que os sustenta e para onde, invariavelmente voltarão, quando inúteis forem aos que deles se utilizam para se envaidecer. Talvez em troca de “algum plus” em seus salários.

Cansamos de ser convidados para conspícuas Forças-Tarefas. Só tarefas nos restam para que gastemos nossas forças. Cumprimos mandados de busca e apreensão. Carregamos caixas de produtos de crime ou objetos de delito. Trocamos tiros. Escalamos muros e nos embrenhamos em banhados e matagais. Para que? Para que um Delegado Federal ou um Promotor de Justiça conceda uma ostentosa entrevista, ressaltando o belo trabalho da instituição a que representam.

Policiais Militares fazem segurança de Delegados da Polícia Federal. Na ativa ou licenciados, no exercício de cargos políticos na esfera municipal. Parece piada pronta de “talk show”, policiais fazendo segurança de policiais.

E a Força Alfa (para alguns, “Farsa Alfa”)? Policias Militares, com belas viaturas, alinhadas fardas, modernas armas, helicóptero e com algo a mais nos vencimentos. Ombreando com PMs antigos, que há muitos trocam tiros na barranca do rio, de farda surrada e armamento exíguo, travando a guerra contra o crime do dia-a-dia, cumprindo nossa obrigação constitucional. É a Força Alfa combatendo o tráfico e contrabando internacionais, de competência da Polícia Federal. Trabalhando para que outros, sem sair do conforto do ar-condicionado de suas delegacias, esperem para “quando interessa” lavrar os autos e sair na fotografia ou aparecer no jornal.

Enfim, desvios de função. Claros desrespeitos à lei e à história e tradição de nossa querida PMPR.

E estes mesmos entes, citando a Polícia Federal e Ministério Público, cometem atos arbitrários como o ontem perpetrado contra um integrante de nossa corporação. Outros fatos já aconteceram: a busca e apreensão realizada no 13° BPM, por agentes da PF, sob olhar impassível e eivado de inanição de um integrante do alto-comando da PM, que não avocou para si a obrigação de agir para “cortar na própria carne”, em face da ocorrência de um possível ilícito dentro de nosso aquartelamento.

Isto para não falar de outras prisões, que aqui talvez não caiba reavivar, para não açoitar ainda mais a memória de outros policiais militares injustamente acusados, sob argumentos levianamente arquitetados por outros órgãos, muitas vezes com a conivência e participação direta de alguns de nós, comprados como já dissemos, mão-de-obra barata, disponível e descartável.

Diante deste desabafo, com tom de desagravo ao Cel Filardo, concito todos os companheiros milicianos a repensar suas atitudes. Principalmente enquanto comandantes. É hora de sairmos em defesa de nossa honra corporativa e pessoal. É passada a hora de nos levantarmos contra os desvios de função, as arbitrariedades, os desrespeitos e as afrontas. Somos grandes, somos fortes, mas, perdoem-me a sinceridade excessiva, somos muitas vezes tolos e ignorantes. Não nos fazemos respeitar e não saímos em defesa dos nossos. Devemos, nas palavras de Paulo, combater o bom combate. Eliminemos nossos desvios. Punamos nossos contraventores. Extirpemos nossos tumores. Mas, também, rechacemos as humilhações gratuitas, defendamos nossos pares, lutemos pela justiça e busquemos o nosso espaço.

Por isso, caros comandantes, presidentes de clubes, associações e entidades: Não deixe, pois amanhã poderá ser com você!

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